29 de setembro de 2010

Carlos Drummond de Andrade - Segunda Geração Modernista - Poesia

Carlos Drummond de Andrade 
Drummond, como os modernistas, proclama a liberdade das palavras, uma libertação do idioma que autoriza modelação poética à margem das convenções usuais. Segue a libertação proposta por Mário e Oswald de Andrade; com a instituição do verso livre, acentua-se a libertação do ritmo, mostrando que este não depende de um metro fixo (impulso rítmico). 
Se dividirmos o Modernismo numa corrente mais lírica e subjetiva e outra mais objetiva e concreta, Drummond faria parte da segunda, ao lado do próprio Oswald de Andrade. 
Quando se diz que Drummond foi o primeiro grande poeta a se afirmar depois das estreias modernistas, não se está querendo dizer que Drummond seja um modernista. De fato herda a liberdade linguística, o verso livre, o metro livre, as temáticas cotidianas. Mas vai além. "A obra de Drummond alcança — como Fernando Pessoa ou Jorge de Lima, Herberto Helder ou Murilo Mendes — um coeficiente de solidão, que o desprende do próprio solo da História, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas", afirma Alfredo Bosi (1994). 
Affonso Romano de Sant'ana costuma estabelecer que a poesia de Carlos Drummond a partir da dialética "eu x mundo", desdobrando-se em três atitudes: 
• Eu maior que o mundo — marcada pela poesia irônica 
• Eu menor que o mundo — marcada pela poesia social 
• Eu igual ao mundo — abrange a poesia metafísica 
Sobre a poesia política, algo incipiente até então, deve-se notar o contexto em que Drummond escreve. A civilização que se forma a partir da Guerra Fria está fortemente amarrada ao neocapitalismo, à tecnocracia, às ditaduras de toda sorte, e ressoou dura e secamente no eu artístico do último Drummond, que volta, com frequência, à aridez desenganada dos primeiros versos: A poesia é incomunicável / Fique quieto no seu canto. / Não ame. Muito a propósito da dua posição política, Drummond diz, curiosamente, na página 82 da sua obra "O Observador no Escritório", Rio de Janeiro, Editora Record, 1985, que "Mietta Santiago, a escritora, expõe-me sua posição filosófica: Do pescoço para baixo sou marxista, porém do pescoço para cima sou espiritualista e creio em Deus."
No final da década de 1980, o erotismo ganha espaço na sua poesia até seu último livro. Temas típicos da poesia de Drummond 
• O Indivíduo: "um eu todo retorcido". O eu lírico na poesia de Drummond é complicado, torturado, estilhaçado. Vale ressaltar que o próprio autor já se definia no primeiro poema de seu primeiro livro (Alguma Poesia) como um gauche, ou seja, alguém desajeitado, deslocado, tímido, posição que marca presença em toda sua obra. 
• A Terra Natal: a relação com o lugar de origem, que o indivíduo deixa para se formar. 
• A Família: O indivíduo interroga, sem alegria e sem sentimentalismo, a estranha realidade familiar, a família que existe nele próprio.
• Os Amigos: "cantar de amigos" (título que parafraseia com as Cantigas de Amigo). Homenagens a figuras que o poeta admira, próximas ou distantes, de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, de Machado de Assis a Charles Chaplin.
• O Choque Social. O espaço social onde se expressa o indivíduo e as suas limitações face aos outros. 
• O Amor: Nada romântico ou sentimental, o amor em Drummond é uma amarga forma de conhecimento dos outros e de si próprio.
• A Poesia. O fazer poético aparece como reflexão ao longo da sua poesia.
• Exercícios lúdicos, ou poemas-piada. Jogos com palavras, por vezes de aparente inocência naïf. 
• A Existência: a questão de estar-no-mundo. 

Obra literária de Drummond
• Alguma Poesia (1930) • Brejo das Almas (1934) • Sentimento do Mundo (1940) • José (1942) • A Rosa do Povo (1945) • Claro Enigma (1951) • Fazendeiro do ar (1954) • Quadrilha (1954) • Viola de Bolso (1955) • Lição de Coisas (1964) • Boitempo (1968) • A falta que ama (1968) • Nudez (1968) • As Impurezas do Branco (1973) • Menino Antigo (Boitempo II) (1973) • A Visita (1977) • Discurso de Primavera (1977) • Algumas Sombras (1977) • O marginal clorindo gato (1978) • Esquecer para Lembrar (Boitempo III) (1979) • A Paixão Medida (1980) • Caso do Vestido (1983) • Corpo (1984) • Amar se aprende amando (1985) • Poesia Errante (1988) • O Amor Natural (1992) • Farewell (1996) • Os ombros suportam o mundo(1935) • Futebol a arte (1970) Antologia poética • A última pedra no meu caminho (1950) • 50 poemas escolhidos pelo autor (1956) • Antologia Poética (1962) • Antologia Poética (1965) • Seleta em Prosa e Verso (1971) • Amor, Amores (1975) • Carmina drummondiana (1982) • Boitempo I e Boitempo II (1987) • Minha morte (1987) Infantis • O Elefante (1983) • História de dois amores (1985) • O pintinho (1988) Prosa • Confissões de Minas (1944) • Contos de Aprendiz (1951) • Passeios na Ilha (1952) • Fala, amendoeira (1957) • A bolsa & a vida (1962) • Cadeira de balanço (1966) • Caminhos de João Brandão (1970) • O poder ultrajovem e mais 79 textos em prosa e verso (1972) • De notícias & não-notícias faz-se a crônica (1974) • Os dias lindos (1977) • 70 historinhas (1978) • Contos plausíveis (1981) • Boca de luar (1984) • O observador no escritório (1985) • Tempo vida poesia (1986) • Moça deitada na grama (1987) • O avesso das coisas (1988) • Auto-retrato e outras crônicas (1989) • As histórias das muralhas (1989) Representações na cultura Drummond já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Carlos Gregório e Pedro Lito no filme Poeta de Sete Faces (2002) e Ivan Fernandes na minissérie JK (2006). Também teve sua efígie impressa nas notas de NCz$ 50,00 (cinquenta cruzados novos) em circulação no Brasil entre 1988 e 1990. 
Atualmente, também, a representações em Esculturas do Escritor, como é o caso das estátuas 'Dois poetas', na cidade de Porto Alegre, e também 'O Pensador, na praia de Copacabana no Rio de Janeiro, além de um memorial em sua homenagem da cidade de Itabira. 

Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Modernismo_no_Brasil



Texto: Poema de Sete Faces (Carlos Drummond de Andrade)

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

A respeito do texto:
1 – Que relação se pode estabelecer entre o título do poema e o número de estrofes?
2 – Que elemento comum identifica o poeta e o anjo?
3 – Há uma aparente desconexão entre as várias estrofes, como se o poeta registrasse flashes da realidade. Identifique cada uma das estrofes, a partir da idéia básica de cada uma delas, que assinalam a seguir:
a) flash do adulto sério, reservado:
b) nascimento do poeta:
c) percepção de um mundo inquieto, que poderia ser mais belo:
d) desajustamento entre a realidade interior e a exterior, aliado à percepção da sexualidade:
4 – Na 2ª estrofe, que fato impede a tranqüilidade e a beleza do dia?
5 – Em “Vai, Carlos! ser gauche na vida”, o tipo gauche, segundo a observação de Affonso Romano de Sant’Anna, tem aí aquelas características de “persona” (de onde, personagem), “ou seja funciona como uma máscara, um disfarce através do qual ressoa a voz do poeta”. Em que verso, a idéia de “disfarce” também aparece?
6 – Em que verso o poeta utiliza uma passagem bíblica?
7 – Em que estrofe o poeta descobre-se impotente diante do mundo? Transcreva o verso que evidencia essa sensação.
8 – Alguns psicanalistas assinalam que a ironia é antes uma defesa de quem se sente acuado ou impotente diante da realidade. Em que estrofe o poeta utiliza-se da ironia e do humor como forma de suprir sua impotência.
9 – Ao sentir-se ‘flagrado’ em sua intimidade e seu momento de emoção, com que elementos o poeta procura justificar seu momento de extravasamento emotivo?
10 – Numa outra fase de sua trajetória poética, Drummond escreveu: “Não, meu coração não é maior que o mundo / É muito menor / Nele não cabem nem as minhas dores”. Que versos do poema revelam-nos um sentimento contrário a esse?

Texto: Adeus a Sete Quedas  

Sete quedas por nós passaram,
e não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
e todas sete foram mortas,
e todas sete somem no ar,
sete fantasmas, sete crimes
Sete quedas por mim passaram,
e todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
a memória dos índios, pulverizada,
já não desperta o mínimo arrepio.
Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes,
aos apagados fogos
de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se
os sete fantasmas das águas assassinadas
por mão do homem, dono do planeta.

Aqui outrora retumbaram vozes
da natureza imaginosa, fértil
em teatrais encenações de sonhos
aos homens ofertadas sem contrato.
Uma beleza em si,
fantástico desenho
corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno
mostrava-se, despia-se, doava-se
em livre coito à humana vista extasiada.
Toda a arquitetura, toda a engenharia
de remotos egípcios e assírios
em vão ousaria criar tal monumento.

E desfaz- se
por ingrata intervenção de tecnocratas.
Aqui sete visões, sete esculturas
de líquido perfil
dissolvem-se entre cálculos computadorizados
de um país que vai deixando de ser humano
para tornar-se empresa gélida, mais nada.

Faz-se do movimento uma represa,
da agitação faz-se um silêncio
empresarial, de hidrelétrico projeto.
Vamos oferecer todo o conforto
que luz e força tarifadas geram
à custa de outro bem que não tem preço
nem resgate, empobrecendo a vida
na feroz ilusão de enriquece-la.
Sete boiadas de água, sete touros brancos,
de bilhões de touros brancos integrados,
afundam-se em lagoa, e no vazio
que forma alguma ocupará, que resta
senão da natureza a dor sem gesto,
a calada censura
e a maldição que o tempo irá trazendo?

Vinde povos estranhos, vinde irmãos
brasileiros de todos os semblantes,
vinde ver e guardar
não mais a obra de arte natural
hoje cartão-postal a cores, melancólico,
mas seu espectro ainda rorejante
de irisadas pérolas de espuma e raiva,
passando, circunvoando,
entre pontes pênseis destruídas
e o inútil pranto das coisas,
sem acordar nenhum remorso,
nenhuma culpa ardente e confessada.
(“Assumimos a responsabilidade!
Estamos construindo o Brasil grande!”)

E patati patati patatá...
Sete quedas por nós passaram,
e não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
e todas sete foram mortas,
e todas sete somem no ar,
sete fantasmas, sete crimes
dos vivos golpeando a vida
que nunca mais renascerá.
A respeito do texto:
1) A palavra fantasmas (verso 5) significa:
a) Assombração.                                                
b) Imagem da culpa                      
c) Seres medonhos                                      
d) Que não existem

2)  A repetição do conectivo "e" tem efeito de marcar:
a) que existe uma seqüência cronológica dos fatos                       
b) um exagero do conectivo
c) que existe uma descontinuidade de fatos                                    
d) que existe uma coordenação entre as três orações

3)- A afirmação: "Sete Quedas por nós passaram / E não soubemos amá-las.", Faz-nos entender que:
a) só agora nos damos conta do valor daquilo que perdemos 
b) enquanto era possível, não passávamos por Sete Quedas
c) Sete Quedas pertence agora ao passado
d) Todos, antigamente, podiam apreciar o espetáculo; agora não

4) Na passagem: "E todas sete foram mortas, / E todas sete somem no ar." O uso de todas sete se justifica:
a) como referência ao número de quedas que existiram no rio Paraná
b) para representar todo conjunto das quedas que desaparece
c) para destacar o valor individual de cada uma das quedas
d) para confirmar que a perda foi parcial.

5)  A palavra Sete Quedas (verso 1) está escrita em letra maiúscula por se tratar de:
a) Um início de poema.                                                                            
b) Um substantivo simples
c) Um nome próprio composto                                                          
d) Um erro de revisão



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